Texto produzido para iniciativa Inumeráveis , um memorial dedicado à história de cada uma das vítimas do coronavírus no Brasil.
Maria nasceu em 26 de setembro de 1936 em um sítio no interior de Minas Gerais. Como é a história de muitos neste país, não teve uma infância ou juventude fáceis. Logo cedo teve que aprender a trabalhar na lida da roça. Ali já aprendeu a ser forte e a enfrentar as dificuldades.
Em sua juventude se casou com Eurípedes, iniciando a família que seria a coisa mais importante e que mais amou em sua vida. Foram 5 filhos criados em tempos difíceis, com simplicidade, mas sem faltar carinho e afeto.
O sexto filho veio junto com a primeira neta, com uma semana de diferença, o que fez o amor multiplicar na família. Maria tinha um coração tão grande e bondoso que distribuía seu amor e carinho também com seus primos, sobrinho, cunhados.
Em meados da década de oitenta, Maria passou por um período muito difícil com a perda de pessoas próximas e muito amadas por ela. Perdeu seu pai, um tempo depois, seu esposo e, mais tarde, seu filho mais velho, Zezé.
A vida exigiu que Maria fosse ainda mais forte do que já fora antes em sua vida. Com um filho pequeno teve que aprender a ser mãe solo, o que não foi fácil, mas ela amorosamente conseguiu criar seu filho caçula da melhor forma que ela podia.
Maria amava seu quintal, suas roseiras e orquídeas. Contudo, o que ela amava de verdade era a casa cheia, a família reunida.
A sua casa sempre foi ponto de encontro da família, onde crianças brincavam, corriam ou jogavam futebol no corredor da garagem, disputavam campeonatos de vídeo game. Ela ficava sempre de olho, pronta para dar bronca se precisasse. Porém, ela preferia dar colo, abraços e conselhos para seus netos.
Comida pronta. Mesa cheia. Uns terão que comer no sofá.
O que tem para almoço? Molho de frango caipira? Lasanha? Carne porco? A sobremesa será torta de abacaxi, né?!
Os netos cresceram, muitos se mudaram, alguns até de país, mas o laço de afeto que sempre manteve a família unida foi o amor por ela. Seja pelo telefone ou pessoalmente, a bronca sempre vinha: “lembrou que sua mãe/avó existe, né?”
Vieram os vários bisnetos e também duas netinhas caçulas. A casa da dona vó, como alguns netos a chamavam, estava cheia de crianças novamente e ela sempre enchendo a vida de todos a sua volta de amor.
Essa pessoa tão afetuosa, amorosa e forte nos deixou no dia 21 de outubro de 2020 por complicações em decorrência da COVID-19. Mas ela só se foi fisicamente, porque deixou para todos que a conheceram lições importantíssimas que jamais serão esquecidas.
Aprendi há uns anos, com uma pessoa muito especial e que também já se foi, uma frase da filosofia africana Ubuntu: “eu sou porque nós somos”. Hoje, mais do que nunca, eu entendo essa frase. Falo aqui em nome de todos que te amam, que nós só somos porque você foi e nos ensinou a sermos: fortes, generosos, afetuosos, solidários, a praticar o amor, a distribuir afeto e carinho.
Vá em paz com a certeza de que o seu legado é os bons sentimentos que você nos ensinou.